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Faça o agressor pagar: guia sobre confisco de ativos da Rússia



Na esteira da turbulência geopolítica e da agressão da Rússia contra a Ucrânia, a comunidade global enfrenta uma questão crítica: como fazer o agressor pagar? No centro dessa questão complexa está a noção de confisco de ativos estatais e privados russos, um tópico cada vez mais relevante no direito internacional.


A necessidade urgente de confisco


O valor surpreendente dos ativos russos congelados nos países ocidentais, estimado em no mínimo US$ 320 bilhões, serve como um lembrete claro do ônus financeiro que a Rússia deve arcar por suas ações. Sem perspectivas imediatas de que a Rússia forneça uma compensação à Ucrânia, juntamente com a extrema necessidade da Ucrânia de assistência financeira de curto e longo prazo (superior a 350 bilhões de euros para a recuperação total), o confisco dos ativos russos surge como a opção mais justa e viável. Os contribuintes ocidentais não devem assumir a responsabilidade exclusiva pela recuperação da Ucrânia, especialmente quando esses ativos podem ser utilizados para lidar com a devastação causada pelo agressor.


Confisco de ativos privados


Para implementar o confisco de propriedade privada congelada, é essencial um novo mecanismo. Esse mecanismo deve permitir o confisco de bens que não tenham uma conexão direta com crimes específicos. O conceito de confisco sem base em condenação, embora não seja novo no Ocidente (por exemplo, o Decreto Legislativo 159/2011 da Itália, Código Antimáfia), ganhou força. A Corte Europeia de Direitos Humanos validou a legalidade de tais esquemas (Raimondo v. Itália, Arcuri & Three Others v. Itália). Uma possível base para o confisco poderia espelhar a abordagem da Itália, visando indivíduos privados (oligarcas) afiliados ao Kremlin, que contribuem para o crime de agressão contra a Ucrânia e já estão sob sanções.


Confisco de empresas estatais


O confisco de empresas estatais, incluindo ativos como os detidos pela Gazprom, apresenta um desafio único. De acordo com a doutrina da imunidade funcional, conforme incorporada na FSIA dos EUA, na SIA 1978 do Reino Unido e na legislação de outros estados ocidentais, a propriedade detida por empresas estatais russas para fins comerciais não goza de proteções de imunidade. Portanto, o confisco é principalmente uma questão de legislação nacional. O Canadá já adotou essa legislação, permitindo o confisco de bens de propriedade estatal em apoio à sua postura contra a agressão.


A doutrina dos poderes de polícia e a indenização


A doutrina dos poderes de polícia no direito internacional permite que os Estados expropriem ativos sem compensação quando agem dentro dos limites da finalidade legítima e da proporcionalidade. De acordo com a OCDE, os danos econômicos resultantes de regulamentações não discriminatórias dentro dos poderes de polícia de um Estado não necessitam de compensação. Essa doutrina foi bem estabelecida no direito internacional consuetudinário, conforme reafirmado pelo Tribunal do ICSID em Philip Morris v. Uruguay (parágrafos 292-301). Portanto, os Estados ocidentais podem não ser obrigados a fornecer indenização por confisco em determinadas circunstâncias.

Contramedidas como ferramenta jurídica


Embora os fundos do banco central e alguns ativos estatais dedicados a fins públicos gozem de proteção imunitária, o direito internacional reconhece circunstâncias especiais que podem justificar seu confisco. Essas circunstâncias, que excluem a ilegalidade, tornam o confisco de tais ativos legal e legítimo.


As contramedidas, enraizadas no direito consuetudinário internacional e codificadas pela Comissão de Direito Internacional da ONU, permitem que os Estados se desviem das obrigações, como as imunidades, para garantir a conformidade com o direito internacional. A proibição de agressão é uma obrigação erga omnes ("para todos"), permitindo que qualquer terceiro país tome contramedidas contra a Rússia por sua agressão contra a Ucrânia. As imunidades podem ser levantadas como uma contramedida para proteger os direitos humanos e defender o direito internacional, tornando o confisco uma contramedida plausível.


Uma nova exceção costumeira


À medida que mais Estados adotam medidas para confiscar propriedades russas em resposta à agressão, é provável que se cristalize uma nova exceção consuetudinária para casos de agressão. Esse desenvolvimento reforçaria a legitimidade de tais ações, refletindo a natureza evolutiva do direito internacional. Historicamente, as exceções costumeiras surgiram devido a mudanças na prática do Estado, assim como a exceção comercial simbolizada pela carta de 1952 do consultor jurídico interino do Departamento de Estado dos EUA, Jack B. Tate.


Em um futuro próximo, um tribunal internacional, acompanhado de um mecanismo de compensação, poderia ser estabelecido. Essas instituições dariam mais legitimidade às decisões individuais dos Estados de introduzir mecanismos não baseados em condenação para confiscar propriedades privadas ou estatais. Simultaneamente, ações domésticas para confiscar bens podem ser paralelas aos esforços para estabelecer uma estrutura internacional.


Apoio político internacional


O pedido de confisco em larga escala ganhou força entre órgãos internacionais importantes, incluindo o Parlamento Europeu e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O Parlamento Europeu chegou a cogitar o levantamento de imunidades em resposta à gravidade das violações russas.


A legislação inovadora do Canadá permite o confisco de bens pertencentes a indivíduos que apoiam e possibilitam a agressão, exigindo uma decisão judicial para sua implementação. A Estônia também está considerando a possibilidade de aprovar um esquema de confisco em sua legislação nacional. Além disso, a UE está trabalhando para classificar a evasão de sanções como um crime da UE, permitindo o confisco de propriedades ligadas a origens criminosas ou evasão de sanções. No entanto, ainda é incerto se essas medidas fornecerão apoio financeiro substancial para a recuperação da Ucrânia.


Concluindo, o confisco de bens russos, tanto estatais quanto privados, apresenta uma abordagem complexa, mas cada vez mais justificável, para fazer cumprir as obrigações internacionais. À medida que a comunidade internacional navega por esse terreno desafiador, um equilíbrio cuidadoso entre justiça e pragmatismo será fundamental para lidar com as consequências da agressão e, ao mesmo tempo, defender os princípios do direito internacional.

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